segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Mas é preciso ter força, É preciso ter raça, É preciso ter gana sempre...


Entre as lendas da mitologia grega, a de Sísifo é, sem dúvida, uma das mais simples e interessantes na minha opinião. Atemporal, se aplica perfeitamente ao homem moderno e seus desafios diários. Também considero relevante lembrá-la em períodos de crise, quando caos e oportunidade andam juntos.

Conta a lenda que o rei e fundador da cidade de Corinto, após praticar todo o tipo de torpeza e crueldade, foi condenado pelo senhor do Olimpo, Zeus, a empurrar, eternamente, uma enorme pedra montanha acima, cujo objetivo era chegar ao cimo. O castigo era exatamente este: embora fizesse todo o esforço possível para transportar a pedra morro acima, quando estava quase chegando, o peso era muito grande e a rocha rolava novamente ao ponto de origem sem nunca conseguir atingir o pico.

Cumprimos, diariamente, esta ‘maldição’. Ou seria uma benção que não percebemos como tal? A avaliação fica por conta de como cada um encara a situação. O fato é que todos os dias nos levantamos, tomamos nosso café da manhã e saímos para trabalhar. Todos os dias tomamos banho, nos preocupamos em saber como iremos pagar nossas contas e sonhamos que um dia, sim, um dia alcançaremos o cimo e teremos então a nossa ‘recompensa’. Poderemos, enfim, descansar e parar de cumprir as mesmas tarefas dia após dia e, aí, seremos ‘finalmente’ felizes.

O cotidiano, o conhecido, que tanto o homem repudia e classifica como tedioso e penoso, é também, na mesma proporção, nosso mundo seguro, acolhedor e confortável. Afirmamos que detestamos a rotina e sua repetição, mas esperamos ansiosos voltar para nossa casa e retomar essa mesma rotina, cumprindo nossos rituais e hábitos diários.

O prazer que sentimos ao entrar em um quarto de hotel, na praia, nas férias é o mesmo de quando, terminada a viagem, voltamos a dormir em nossa própria cama, sentindo o cheiro aconchegante do que nos é, irritantemente familiar. Sabendo que estaremos de volta ao trabalho e às nossas atividade rotineiras, graças à Deus! Percebe? No fundo, no fundo mesmo, fugimos das surpresas, do novo, do misterioso. Detestamos não saber (controlar) o que está por vir e nos esforçamos para manter, o máximo possível, as coisas sem grandes alterações. Enfim, amamos empurrar nossas pedras todos os dias morro acima, para na seqüência, muitas vezes vê-las voltar para o mesmo lugar, de onde começamos tudo outra vez. Apesar das intensas reclamações, o sonho é de que um dia isso terminará e então, seremos livres.

Sem querer ser chata, esse esquema de pensamento é simplista e idealista. A questão, acredite, não é, definitivamente, chegar a algum lugar para então descansar e receber o almejado prêmio. O grande desafio é saber de que forma empurramos nossas pedras montanha acima todos os dias de nossa vida. É preciso muita criatividade e muito amor para fazer deste contínuo transportar de pedras uma aventura inédita diariamente. É preciso ser um garimpeiro de primeira, com sensibilidade e sentidos alertas, para encontrar ouro e pedras preciosas no decorrer desta subida, na qual um olho está na pedra e o outro busca tudo o que não vimos ainda neste tão conhecido e ao mesmo tempo tão desconhecido caminho.

É senhores, como disse anteriormente, não se trata de maldição e sim de uma metáfora da nossa própria vida. Podemos ser como Sísifo e enfrentá-la como um castigo dos Deuses, ou, então, enxergar a benção que é quando nos damos conta de que cada dia é diferente do outro por mais que façamos tarefas iguais. É assim que pretendo viver: empurrando, diligentemente, as minhas pedras, livre para fazer deste percurso um caminho diferente todos os dias.